Há pouco tempo, algo atraía a atenção de todos que se mantiveram em
contato com as notícias do dia-a-dia, fosse nos jornais, na televisão ou
através da Internet. Era a questão dos impasses que chegaram a adquirir
contornos militares na Península da Coreia, inclusive abrangendo as
duas maiores potências econômicas do mundo contemporâneo, Estados Unidos
e China, em um considerado iminente conflito armado. A certeza de que
uma Terceira Guerra Mundial em breve bateria na porta da humanidade
parecia cada vez mais concreta, à medida que as tensões fronteiriças e
diplomáticas aumentavam.
Os verdadeiros motivos das tensões
ainda são em grande parte desconhecidos por muitas pessoas. Existem
inúmeros pontos que podem ser considerados determinantes e catalisadores
de tais desavenças. Pontos estes que datam desde a separação das duas
Coreias e do conflito entre elas durante o período da Guerra Fria, o qual foi "resolvido" com um armistício que, por sua vez, pode ser considerado
até mesmo temporário. É notável, no entanto, que o fator que possa ser
considerado o principal desencadeador de toda essa crise tenha sido a
realização de exercícios militares pelas tropas estadunidenses e
sul-coreanas no território da Coreia do Sul. Esse acontecimento foi
tomado como uma provocação e até mesmo como uma agressão pelas
autoridades e pelo povo norte-coreanos, pois teria havido o
descumprimento do parágrafo nº60 do Acordo de Armistício assinado em
1953 pelos dois países, que dizia que todas as tropas estrangeiras
deveriam ser retiradas da Península, de modo a estabelecer a manutenção
da paz entre eles.
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Povo e tropas norte-coreanas participam de ato de repúdio à agressão estrangeira, erguendo os punhos contra o imperialismo. |
Há que se considerar também o histórico
que possui o governo dos Estados Unidos em sua política externa. No
último século, os americanos intervieram com poderio bélico em
aproximadamente 150 países. Isso mostra que o país, ao longo de sua
história, esteve muito inclinado a possuir zonas de influência ao redor
do globo, o que inclusive o favoreceria (e de fato o favorece) nos
âmbitos político e econômico internacionais. Existem até mesmo hipóteses
que veem a cultura das armas e da guerra norte-americana, assim como a
posse de inimigos no cenário internacional, como sendo necessária para
que o próprio povo estadunidense vise o estabelecimento de uma unidade
em nome de uma "causa maior": o combate a esses inimigos de fora. Não seria
surpresa se o episódio que envolveu as duas Coreias tivesse sido
aproveitado como mais uma tentativa de expansão imperialista
dos EUA. Ainda mais em tempos de crise financeira no Ocidente,
tendo em vista que a guerra sempre foi um "negócio" altamente lucrativo
para sua alta burguesia. A partir dessa análise, a reação
norte-coreana pode ser considerada justa. Uma resistência firme e
exemplar aos tentáculos do imperialismo.
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Destino Manifesto em escala global: a ideologia antes usada para justificar a Marcha para o Oeste americana, assim como o genocídio de populações indígenas inteiras, hoje pode ser vista como uma analogia ou até mesmo um ponto de referência sobre a política externa do país. |
Outro alvo da
discussão foi uma possível participação da China caso houvesse um
conflito militar, que reuniria as duas maiores potências do mundo
contemporâneo. Os desdobramentos que isso poderia causar na geopolítica
internacional muito provavelmente levariam o homem a presenciar mais uma
Guerra Mundial. No entanto, essa possibilidade é mais um produto do
sensasionalismo midiático do que uma alternativa com reais chances de
acontecimento. Primeiramente, as relações entre a China e a Coreia do
Norte têm ficado cada vez mais enfraquecidas, talvez por
conta do fim de grande parte do socialismo na primeira. Além disso,
embora os dois países ainda tenham acordos de defesa mútua contra
invasões estrangeiras, um atrito militar entre China e EUA teria
proporções catastróficas. Certamente uma saída diplomática seria
encontrada, ou então todo o resto do mundo pagaria por isso.
O
apelo para as ameaças, incluindo o uso de armamento nuclear, pode ser
considerado, porém, a grande "faca de dois gumes" utilizada pela Coreia
Popular. Talvez elas tenham sido inevitáveis, pois os países ocidentais,
além de embargarem economicamente o país, usando como justicativa o
desenvolvimento de arsenal atômico norte-coreano (uma medida, embora
considerada perigosa, é legítima, uma vez que as potências ocidentais
dispõem de tal armamento), não se mostravam dispostos a negociarem com
ele pelo viés diplomático. No entanto, a ameaça de uma possível guerra
nuclear foi motivo para apreensão e medo na comunidade internacional, o
que ressaltou um caráter radical e fanático da Coreia do Norte, quando
na verdade seu objetivo principal era garantir a soberania de seu povo
ante as diversas agressões externas.
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As armas nucleares foram inevitavelmente a carta na manga de Kim Jong-Un |
É importante atentar para
o papel dos grandes veículos de comunicação, tanto os ocidentais como
os orientais (os norte-coreanos, principalmente), tiveram na propagação
dos acontecimentos. A mídia ocidental, a exemplo da brasileira,
transferiu ao público uma imagem completamente demonizada, não só da
Coreia Popular, como do próprio socialismo como um todo, atribuindo
aspectos de fanatismo, de opressão e de ufanismo como sendo
característicos de um regime socialista. Nesse caso, fica evidente que a
base para isso é a escancarada orientação ideológica (e manipulação
dela) que se faz presente na mídia dos países do Ocidente. Já o papel desempenhado pelos veículos de comunicação norte-coreanos também foi de grande importância para o desenrolar
da crise, uma vez que eles foram usados como ferramenta de negociação pelo
governo, ao serem os responsáveis pela transmissão dos aparentes
posicionamentos do país, o que incluiu ameaças de guerra, repúdios ao
imperialismo e provocações aos EUA e à Coreia do Sul.
Tudo
indica que, após os governos ocidentais finalmente cederem às
negociações diplomáticas exigidas pela Coreia Popular, não será desta
vez que, nem as Coreias, nem os outros países envolvidos entrarão em um
conflito armado. Talvez isso tenha sido apenas um adiamento de algo inevitável no futuro, mas cabe ao tempo dizer isso. Por ora, há que
se celebrar a vitória da soberania dos povos, da diplomacia
internacional e, mais do que isso, da humanidade como um todo. A única
guerra em que todos ganham é aquela que é evitada.
Texto de Thiago Menezes e Pedro Graça